quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Obrigado eu, ou... Agradeço você!


João Wagner Galuzio

Toda língua, idioma ou dialeto têm tamanhos, regras e dinâmicas exclusivas, ainda que muitas vezes sejam bastante semelhantes entre si, ou em função da origem comum, ou por contaminação. Um idioma nacional tem acentos, sotaques e cacoetes que afetam ritmo, melodia e sabor. Ah, sim. Mais doce ou um pouco azeda, toda palavra tem sabor, de raiva, ou de perdão; traz calor, dor ou amor.

Quanto mais falada, mesmo maltratada, é uma língua, mais viva ela é. Diz-se que o idioma do genial Shakespeare seria equivalente a uma terça parte do que hoje representa o léxico britânico. É muito verdade que outros fatores envolvem a crescente hegemonia deste idioma, como as tecnologias de transporte, comunicação e informação, além da internacionalização da economia, resta observar que, quanto mais utilizada, mais elementos incorpora de outras vozes nacionais, nunca esmorece.

Essa dinâmica, em cada língua, sempre foi natural, necessária e saudável, mas se em si mesma, há pressões internas ou mais lentas, ou mais intensas, imagine-se então o tamanho das intervenções neste turbilhão de influências que atravessam redes sociais, comerciais e políticas em nível glocal. Por vezes pode-se verificar indivíduos elaborando a sua comunicação, as suas ideias e conceitos, seus sentimentos em seus relacionamentos com expressões no idioma nativo, mas em gramática estranha ou estrangeira. Há dois exemplos muito comuns desses exotismos, que podemos observar todos os dias, da gramática anglicana aplicada em textos lusitanos. O primeiro, o gerundismo, “vou estar tripudiando” em outro momento, enquanto o segundo estampa o cabeçalho destas linhas aqui.

É notável, apesar de indefectível, ouvir bem intencionados gentis homens ou elegantes mulheres e todos os dignos outros gêneros e transgêneros dizerem “Obrigado você” para expressarem sua gratidão, equívoco basilar de muito brasileiro. Se no inglês temos o informal “thank you” a sua melhor versão, em português, seria ‘[eu] agradeço você’ ou até um simples ‘obrigado eu’ mas jamais impor ao benfeitor obrigação de gratidão. Dizer-se obrigado não significa em absoluto dar ou dizer graças. Agradecer é ação daquele que é grato, nunca do que se declara obrigado de devolver favor ou atenção. Obrigado pela paciência, eu explico.

Quando outra vez disser ‘muito obrigado’ você estará atestando a sua condição de devedor em benefício de um benemérito credor, um outrem qualquer que lhe tenha prestado serviço, favor ou distinção, a quem você, reciprocamente oferece retribuição dizendo, implicitamente, ‘[estou] MUITO OBRIGADO’, ao que o razoável e generoso interlocutor prontamente lhe eximirá altercando, sempre implicitamente, ‘[não está obrigado] DE NADA’. Se não verbalizamos o que aqui aparece entre chaves, é efetivamente o que se quer dizer.

Quando você, vendedor ou prestador de serviços, ouvir de um cliente um gostoso ‘muito obrigado’ mostre-lhe que de fato é você quem agradece dizendo claramente: “Obrigado eu.” 

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