João Wagner Galuzio
Toda língua, idioma ou dialeto
têm tamanhos, regras e dinâmicas exclusivas, ainda que muitas vezes sejam
bastante semelhantes entre si, ou em função da origem comum, ou por
contaminação. Um idioma nacional tem acentos, sotaques e cacoetes que afetam ritmo,
melodia e sabor. Ah, sim. Mais doce ou um pouco azeda, toda palavra tem sabor,
de raiva, ou de perdão; traz calor, dor ou amor.
Quanto mais falada, mesmo
maltratada, é uma língua, mais viva ela é. Diz-se que o idioma do genial
Shakespeare seria equivalente a uma terça parte do que hoje representa o léxico
britânico. É muito verdade que outros fatores envolvem a crescente hegemonia
deste idioma, como as tecnologias de transporte, comunicação e informação, além
da internacionalização da economia, resta observar que, quanto mais utilizada,
mais elementos incorpora de outras vozes nacionais, nunca esmorece.
Essa dinâmica, em cada língua, sempre
foi natural, necessária e saudável, mas se em si mesma, há pressões internas ou
mais lentas, ou mais intensas, imagine-se então o tamanho das intervenções
neste turbilhão de influências que atravessam redes sociais, comerciais e
políticas em nível glocal. Por vezes pode-se verificar indivíduos elaborando a sua
comunicação, as suas ideias e conceitos, seus sentimentos em seus
relacionamentos com expressões no idioma nativo, mas em gramática estranha ou
estrangeira. Há dois exemplos muito comuns desses exotismos, que podemos observar
todos os dias, da gramática anglicana aplicada em textos lusitanos. O primeiro,
o gerundismo, “vou estar tripudiando” em outro momento, enquanto o segundo estampa
o cabeçalho destas linhas aqui.
É notável, apesar de indefectível,
ouvir bem intencionados gentis homens ou elegantes mulheres e todos os dignos
outros gêneros e transgêneros dizerem “Obrigado você” para expressarem sua gratidão,
equívoco basilar de muito brasileiro. Se no inglês temos o informal “thank you”
a sua melhor versão, em português, seria ‘[eu] agradeço você’ ou até um simples
‘obrigado eu’ mas jamais impor ao benfeitor obrigação de gratidão. Dizer-se
obrigado não significa em absoluto dar ou dizer graças. Agradecer é ação
daquele que é grato, nunca do que se declara obrigado de devolver favor ou
atenção. Obrigado pela paciência, eu explico.
Quando outra vez disser ‘muito
obrigado’ você estará atestando a sua condição de devedor em benefício de um benemérito
credor, um outrem qualquer que lhe tenha prestado serviço, favor ou distinção,
a quem você, reciprocamente oferece retribuição dizendo, implicitamente, ‘[estou]
MUITO OBRIGADO’, ao que o razoável e generoso interlocutor prontamente lhe eximirá
altercando, sempre implicitamente, ‘[não está obrigado] DE NADA’. Se não
verbalizamos o que aqui aparece entre chaves, é efetivamente o que se quer
dizer.
Quando você, vendedor ou
prestador de serviços, ouvir de um cliente um gostoso ‘muito obrigado’
mostre-lhe que de fato é você quem agradece dizendo claramente: “Obrigado eu.”